descrição
A noite desce sobre ti mas nem assim pestanejas porque recordas viagens sobre mil oceanos navegados com mil marinheiros que leem a dislexia do mar, homens que a teu lado combateram serpentes esquivas de língua bífida e pele esverdeada, homens que descobriram o fogo por nada temerem e nada desejarem, homens com voz masculina com que seduzem, em árias afinadas, as estrelas e a luz. E, assim, cresces para dentro, sagrando cada viagem percorrida nas feridas como em epopeias menstruadas na sua orgulhosa regularidade estrófica.
Por tudo isto, trazes a ordem do mundo amarrada ao casco de madeira, chão negro com o cheiro da morte com que cantas a vida, com o sabor do sangue com que restauras a esperança, sempre em movimentos ascendentes, desde a voz até ao infinito. E, assim, cada vez maior, tocas as velas que servem de teto ao coração e tornas-te quase eterno, quase imortal, por isso, quando morreres, chamar-te-ei pelo nome com o que sobrar das palavras para que noite nenhuma ouse voltar a descer sobre ti.