descrição
Chegas com uma mochila esquecida na primavera do fim da tarde. Trazes contigo o aroma do sol guardado na algibeira onde se escuta, ainda, o murmúrio de correrias, gargalhadas e brincadeiras sem bússola. Há lugares assim na infância, lugares sem enigma e onde o maior dos mistérios é a bola que chutas no recreio ou o pião que pões a girar ao ritmo do olhar, lugares onde cada amigo, cada colega de carteira é toda a vida por desvendar. Chegas como o vento que atravessa janelas e segue em direção à enxurrada dos trilhos de todos os possíveis. Os livros, fechados já, dormem certos de que na manhã seguinte serão de novo vela navegável. Todo tu és agora fio de água a correr escadas acima para o abraço que flutua numa saudade feminina, saudade iluminada por dentro e onde o maior dos males é o fim do dia que chama o sono e extingue, por umas horas, o teu corpo interminável de menino, alheio à serpente que te fará estremecer de frio, medo e fome no dia em que descobrires o tempo. Até lá, não penses, miúdo, segura os braços mornos da mãe e deita-te. Não, não penses, porque ainda falta muito para saberes que também a noite embebeda.