descrição
Mais uma noite de contemplação nas escarpas Algarvias, com vista privilegiada para um céu nocturno que preenche a alma. Estamos em Maio e é noite de lua nova, noite perfeita para fazer colheita prolongada de fotões na máquina e revelar parte da galáxia que se esconde no alto.
É impressionante como os sítios parecem tão diferentes durante a noite, e a praia de Albandeira não é excepção. No escuro o precípicio torna-se mais imponente, e o mar negro e sonoro lá em baixo aumenta a sensação de abismo. Cada passo tem que ser bem medido, não pelo perigo declarado, mas pela sensação visceral de respeito e pequenez em tal cenário.
Gosto muito de "silêncio" nas minhas paisagens, silêncio este que gosto de ver estendido ao próprio processo de captura. Sempre que saio para fotografar procuro locais sem gente, onde me possa esquecer do mundo "lá fora" e focar-me naquele mundo tão mais real e presente. Ao chegar a Albandeira tinha em mim a habitual esperança secreta de que não estivesse lá ninguém a fotografar, o que acabou por não se revelar. A ideia era mais uma vez utilizar a minha lanterna, e pintar com luz a rocha escura, para que se tornasse mais visível na imagem, mas já se encontrava por lá um fotógrafo sentado numa cadeira portátil, tripé montado, máquina a disparar.
Quem não é fotógrafo não o sabe, mas assim que tal situação ocorre temos duas hipóteses: colocamos as nossas imagens à frente de tudo o resto e fazemos o que temos a fazer, prejudicando as imagens da outra pessoa, ou assumimos que fotografar Natureza deve ser acompanhado de uma consciência global de respeito e interligação, que traz consigo responsabilidades morais para com o que nos rodeia.
Como devem imaginar, é infelizmente muito mais frequente vermos exemplos da primeira situação, já que vivemos na era do "conseguir tudo a todo o custo". Paralelamente, as oportunidades para fazer a imgem que tinha visualizado acontecem apenas algumas vezes por ano, sendo necessário conseguir a conjugação mágica de céu limpo, lua nova (ou de baixa intensidade) e boa orientação da via láctea. Apesar disto, tendo em conta que já estava um fotógrafo presente no local, pedi à exímia diplomata Adriana Santos e seu sorriso encantador para saber se poderíamos fazer algumas exposições iluminando a rocha com a lanterna. O fotógrafo educadamente respondeu, pleno de razão, que estava a fazer um time-lapse, que habitualmente demora 1-2 horas a concretizar, e que estava a aproveitar a ocorrência raríssima de não existir poluição luminosa excessiva de um hotel a 50 metros, que estava fechado pela pandemia.
Os motivos estavam apresentados e eram plenamente válidos, pelo que decidi que estava perdida a oportunidade de fazer as imagens como queria, e que jamais iria prejudicar o trabalho tão dedicado de outra pessoa. Apesar disso, acabei por tentar fazer algumas longas exposições e, para minha enorme surpresa, era perfeitamente possível fazer boas exposições de toda a rocha, graças à permanência da iluminação indirecta vinda de outras fontes, até mesmo muito melhor do que com qualquer lanterna manual. Basicamente, se não estivesse lá este fotógrafo, provavelmente teria feito imagens tecnicamente piores, e nessa noite o Cosmos acabou por recompensar a nossa atitude.
Quando dançamos debaixo das estrelas, agimos como um só e crescemos como um só.
Dados técnicos: Sony a7R + Laowa 15mm f2.0 | Abertura: f2.0 | Exposição: 30 segundos | ISO: 1600 | Foco manual | Tripé FLM | Blend de duas exposições consecutivas para conseguir foco no primeiro plano e no céu