descrição
Há um feixe de luz a obliquar sobre a pedra no grande planalto subterrâneo. Desce vagarosamente as escadas, degrau a degrau, contorna o visco, atravessa a humidade e, ao chegar ao solo, vibra, transformando a pedra em seiva de artérias. A seu lado, ele, que sozinho atravessa a solidão de um gume acabando peregrino da noite e do medo onde cada grito metálico sobre os carris o anestesia. Cansado e aturdido, senta-se no chão como se a sua cabeça fosse habitada por dezenas de sereias do fim dos oceanos. Segue-se a tontura, a náusea, o tédio, até mesmo a lágrima que escorre rente à solidão da grande máquina devoradora. Por fim, solta uma palavra, segue-se outra e mais outra, reconhece os sons, as palavras também, mas não lhes entende o sentido... falava de si, talvez, do seu passado, parece-me, mas de si e do passado porquê, se é inútil? Falar do passado como se alguma vez tivesse tido um... e nesta babel impercetível, as palavras subiam de tom, cada vez mais rápidas, de um lado para o outro, à procura de se esquecerem de tudo, da gramática, dos sentidos que não têm, do passado que não foi, de tudo, até da boca que nelas se perde e que com elas se engana. Enquanto isso, o corpo, lá em baixo, vazio, totalmente só, cada vez mais esquecido do sangue e coberto de fogo.