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Amanhã vou bater-te à porta. Sei que perdeste os ouvidos e que a campainha não toca, mas vou lá, ainda assim. Uma a uma, recolhi as pistas que espalhaste pelo meu corpo e, ainda que anacronicamente, consigo entrar (a propósito, o sangue seca mais depressa em setembro e as cicatrizes são apenas flores que fazem jardim na pele. Aprendeste-o antes de mim, verdade?).
Apesar de tudo, vejo que não perdeste os olhos onde colhi frutos e verões ou os lábios que tornam todas as águas lentas. Mas sei que tens já pouco para dar, e eu com tanto a estourar na mão que dá, na mão que recebe... entendi, finalmente, em que balança se pesa o amor.
Depois de ti, sei que os beijos não abrem versos, que os lençóis são apenas cama onde o corpo se deita, ou que a terra mais feia do mundo pode ser mesmo isso, apenas a terra mais feia do mundo. Depois de ti, comecei a apertar as veias e o próximo poema será feio como eu, será sujo como eu, tão-somente uma imitação, como eu... mas sei também que, mesmo borratado de tinta, jamais o saberás ler sem alguns dos dedos da minha mão.