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Aqui na avenida está-se bem, o vento não é forte, o sol brilha com fartura e não passa por aqui muita gente o que é bom. Já não tenho paciência para gente.
Quando olham para nós, sabem tudo. Sabem melhor do que nós tudo o que somos, temos e sentimos. Todos têm uma opinião que não se coíbem de dar, mesmo que não lhe tenha sido pedida. Nunca vi tanta gente estar na posse da verdade!
É interessante ver que aplicam aos outros tudo aquilo que não aceitam como factos para si próprios. É um género de exorcismo, de catarse que se dá quando atribuiem aos outros o que acusam intensamente os outros de lhes fazerem a eles próprios... e sentem-se tão mais sábios!
É por isto que gosto da tranquilidade da avenida, pouca gente passa por aqui.
Lembro-me agora que há três ou quatro dias atrás, estava sentado neste mesmo banco em pleno momento de “Torre de Pisa”, quando o meu corpo se inclina por vontade própria e com leveza de desequilíbrio deixa-me graciosamente tombado. Houve uma senhora se aproximou.
Olhou para mim e comentou: - Coitado, como você está! Você não devia beber para não fazer figuras dessas!
Em voz baixa mas audível respondi-lhe: - Não é da bebida, é dos cristais...
- Pois, chame-lhe o que quiser... mas fique sabendo que beber não é solução para nada. Tome lá uma moedinha, vá comer qualquer coisa que alivia o mal da bebida. – E avançou deixando-me uma moeda de cinquenta cêntimos em cima do banco, ao meu lado. E findo o acto caridoso, afastou-se criticando o meu vicio da bebida e falando sobre os castigos que Deus me daria.
Na insustentável leveza do meu desequilíbrio provocado pelos cristais do ouvido interno, deu-me uma enorme vontade de rir. Como eu gostava de ter certezas na minha vida, iguais às daquela mulher sobre o meu problema com a bebida.