descrição
É manhã bem cedo, mas ali o dia já há muito começou. Não bato à porta, não anuncio o meu nome, sou apenas lente inominável a deslizar pela escadaria centenária, lá onde o olhar pousa no tempo e as paredes amarram gemidos de tantos calendários.
Mas, mesmo na palidez de um rosto sem idade, tudo ali mexe, tudo se agita, tudo freme, na vertigem do que adormece por saber que vai acordar, ele e o mundo: à esquerda, frutas e hortaliças; à direita, roupas estendidas; aqui, um gato canta às estrelas por pão; ali, um rosto ilude a água das grandes catástrofes e eu, de um lado para o outro, olhos de vidro sobre os objetos, cresço, faço-me maior, por perceber que ali se respira a seiva que ocupa o ar todo e nenhum silêncio.
E, a cada dia que passa, faz-se ainda mais eterno por ressuscitar da morte anterior.